sábado, 30 de agosto de 2008

A Baía de Angra do Heroísmo continua a revelar-se uma “arca” de vestígios arqueológicos do século XVI ao XX, com o aparecimento de três novos “sítios”




José António Bettencourt, responsável pelos trabalhos arqueológicos, revelou à agência Lusa que foram localizados um novo naufrágio, denominado “Angra J”, um túmulo de lastro de embarcação e um terceiro com uma densidade de vestígios que vão do século XVI ao século XX. “Junto do naufrágio, que mantém grande parte da sua estrutura de madeira e que é um local com elevado potencial de investigação, foi também localizado um canhão em ferro e um apito em bronze [século XVI], que se supõe fosse usado para chamar a tripulação e que já foi enviado para o Centro de Conservação e Restauro”, adiantou o arqueólogo. No mesmo local, foi ainda recolhida uma “concreção” (solidificação) que os técnicos pensam “corresponder a uma espada”, bem como outros objectos em metal e cerâmicas. Os investigadores localizaram, também, junto do túmulo de lastro, uma “anforeta” e outras cerâmicas mais comuns. O terceiro sítio agora sinalizado, onde existe uma densidade de vestígios que vão do século XVI ao século XX, deverá estar relacionado com a sua utilização como fundeador - zona de ancoragem e actividades portuárias. Dentro desta área, segundo José António Bettencourt, “há uma zona cujos materiais - entre eles, potes de cerâmica e cachimbos - possuem uma coerência tipológica e cronológica que se pensa ser do século XIX e que poderá corresponder a outro naufrágio”. “A datação dos materiais recolhidos vai ser feita pela sua tipologia em comparação com outros artefactos recolhidos de outros sítios e que já se encontram bem datados”, explicou o arqueólogo. O trabalho dos arqueólogos estende-se a uma intervenção num outro naufrágio, denominado “Angra B” - um navio do século XVI ou princípio do século XVII -, no sentido de ser finalizado “o seu registo, de forma exaustiva, em termos de planta, fotografia e análise descritiva”. “Os vestígios deste naufrágio serão, no final da campanha, no fim de Agosto, protegidos com sacos e redes, uma vez que nas intervenções feitas, nos últimos dois anos, indicaram que ocorre um processo de erosão que o pode colocar em perigo”, adiantou José António Bettencourt. As pesquisas estão a ser feitas no âmbito do Projecto de Investigação Arqueológica Subaquática (PIAS), financiado pela Direcção Regional da Cultura, dotado com 40 mil euros, e que teve o seu início em 2006 e se prolonga até ao próximo ano. O projecto é dirigido pelo professor da Universidade dos Açores, José Damião Rodrigues, e do Centro de História de Além-Mar, uma unidade de investigação inter-universitária que une as universidades dos Açores e universidade Nova de Lisboa. O seu trabalho desenvolve-se na investigação na área da História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa, nomeadamente a história dos Açores. Na Baía de Angra, ilha Terceira, estão sinalizados, a partir de agora, dez locais de naufrágios denominados de “Angra” e numerados de “A” a “J”, e cerca de duas dezenas de sítios com interesse arqueológico. Dois deles são parques arqueológicos e abertos ao turismo subaquático desde 2006. O primeiro parque, “Naufrágio do vapor Lidador”, navio brasileiro de transporte de passageiros e mercadorias, que afundou em 1878, está localizado a dez metros da costa da baía e a sete metros de profundidade. O “Lidador” foi movido do local original onde foi encontrado para uma nova localização dentro da baía de forma a ser construído o porto de recreio da cidade de Angra do Heroísmo. O segundo, um “Cemitérios de Âncoras”, onde ancoravam as naus e galeões dos séculos XVI e XVII, localiza-se a 500 metros da costa e a uma profundidade variável entre os 16 e 40 metros. Os visitantes poderão observar, através de um itinerário subaquático previamente estabelecido, 40 metros de casco do “Lidador” e cerca de 35 âncoras. Para além destas reservas, o Governo Regional pretende abrir mais duas nas ilhas do Pico e Flores, onde se encontram afundados os navios "Caroline" (1901), que controlava o mercado europeu de adubos, e o "Slavónia" (1909), um navio inglês de passageiros. Paralelamente, as autoridades regionais estão a elaborar a Carta Arqueológica Subaquática dos Açores (CASA) que visa criar um banco de dados informatizado, constituído por informações das mais diversas fontes. A CASA vai permitir ainda a criação de um roteiro específico de turismo de parques arqueológicos subaquáticos na região. Para a elaboração desta carta, a região estabeleceu um protocolo de cooperação técnica com a Fundação Rebikoff-Niggeler, que tem abrangido desde 2006 a realização das pesquisas na costa sul da ilha Terceira e que este ano se estendeu às ilhas do Pico e Faial O protocolo, com uma dotação de 340 mil euros, determinou a disponibilização por parte da fundação do submarino “Lula”, com capacidade para mergulhar até 500 metros de profundidade, de um sonar de varrimento lateral, um magmetómetro e de uma embarcação de apoio. As primeiras investigações arqueológicas subaquáticas nos Açores, com carácter científico e sistemático, datam de 1996.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Côa: Museu com inauguração prevista 15 anos depois da polémica


Vila Nova de Foz Côa, Guarda, 24 Ago (Lusa) - O Museu do Côa vai abrir as portas em 2009, quase 15 anos depois da polémica que suspendeu a construção da barragem sobre o Côa devido aos protestos de ambientalistas e especialistas em arte rupestre.
Segundo João Pedro Ribeiro, subdirector do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR), o Museu do Côa, encontra-se "em fase adiantada de construção e a sua inauguração está prevista para uma data ainda a definir em 2009", depois de um investimento total de 17,5 milhões de euros.
Em declarações à Agência Lusa, João Pedro Ribeiro salientou ainda que "o museu será o principal ponto de acolhimento do Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC)" que tem como "objectivos essenciais divulgar e contextualizar" os achados e "contribuir para a criação de uma dinâmica cultural na região".
O projecto é da autoria de uma dupla de jovens arquitectos portuenses, Tiago Pimentel e Camilo Rebelo, que ganhou o concurso público internacional para a obra ao propor um edifício com 170 metros de altura, simulando uma "gigantesca pedra" de xisto no betão através do recurso a moldes de silicone, uma técnica já usada pelo PAVC para as réplicas arqueológicas.
Segundo o arqueólogo do PAVC Martinho Batista, foram efectuadas apenas quatro réplicas entre as centenas de gravuras encontradas, duas porque estavam submersas e outras por estarem em risco de serem destruídas no próprio habitat.
Já a directora do PAVC, Alexandra Lima, justificou a construção do museu com a "evidente a necessidade de uma estrutura complementar de acolhimento para receber grandes grupos".
Agora, é tempo de concluir o projecto do parque e "promulgar o decreto da sua regulamentação", consolidando a sua estrutura funcional.
Por seu turno, Emílio Mesquita, presidente da Câmara de Foz Côa e da Associação de Municípios do Vale do Côa, defende que o museu não deve abrir enquanto não for acertada toda a orgânica envolvida, incluindo a recuperação do troço ferroviário Pocinho - Barca d'Alva.
Caso contrário, o museu corre o risco de "falhar irremediavelmente" nos seus objectivos, sustenta o autarca, que quer o envolvimento da população local no projecto.
"Não podemos confiar nas mãos do Estado uma riqueza que diz respeito a todos nós, em especial aos que vivem por cá, para que daí possa surgir desenvolvimento por si só", afirmou o autarca desta região 'entalada' entre os rios Douro e Côa, junto àquela que alguns denominam "fronteira do subdesenvolvimento".
A história deste processo é longa mas teve como ponto alto Outubro de 1995 quando o Governo de António Guterres ordenou a suspensão da construção da mega-barragem na Foz do Côa devido às pinturas rupestres encontradas, entretanto classificadas pela UNESCO como Património da Humanidade.
Com a identificação de diversos núcleos de gravuras e depois de vários protestos e debate público, nasceu o parque arqueológico que se proclamou como o maior museu do mundo ao ar livre do Paleolítico.
As gravuras são conhecidas desde sempre por pastores locais mas os holofotes nacionais da fama só lhes foram dirigidos depois dos trabalhos do agora IGESPAR, através do arqueólogo Nelson Rebanda, após ter identificado a denominada rocha da Canada do Inferno.
A construção da barragem foi interrompida e a EDP foi indemnizada em muitos milhões de euros mas o esqueleto da obra, ainda inacabada, permanece na paisagem, como marca visível da polémica.




*** Por Daniel Gil, da Agência Lusa ***

Campanha arqueológica na Coriscada - Vale do Mouro


Campanha arqueológica na Coriscada revela povoamento neolítico e aldeia rural romana.


Uma campanha arqueológica no Vale do Mouro, Coriscada, revelou um povoamento neolítico com sete mil anos e permitiu descobrir uma aldeia romana que os arqueólogos acreditam ser uma "revolução" no estudo do país rural da época. Quando se pensava que o local, no concelho da Meda, teria tido apenas duas ocupações - nos séculos III e IV depois de Cristo (d.C.) -, as escavações de 2008 revelaram novos achados do período Neolítico, com a presença de materiais em sílica e lascas de quartzo.

Este local foi inicialmente referenciado por elementos do Centro Sócio-Cultural da Coriscada em 2001, mas só dois anos depois uma equipa coordenada pelos arqueólogos António Sá Coixão e Tony Silvino iniciou as campanhas de investigação no Vale do Mouro. Todos os anos chegam a trabalhar neste sítio cerca de 50 pessoas, não remuneradas, deslocando-se de França e de outras zonas de Portugal nos meses de Julho e Agosto. O arqueólogo Sá Coixão afirmou à Lusa que o projecto tem quatro anos, que termina em 2009, o IGESPAR (Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico) apoia as escavações com cerca de 12.500 euros/ano, mas o especialista admite que a campanha "não duraria uma semana" se não fosse também assegurada pela Câmara Municipal da Meda e pela Junta de Freguesia da Coriscada.

Sobre as revelações que a campanha permitiu desvendar, Sá Coixão afirma-se convicto de que "como as gravuras do Vale do Côa marcaram uma época, estas descobertas vão marcar um tempo, em que ainda se pensava num interior rural romano 'pobretanas' onde não se podia viver bem". "Nos inícios do século I d.C., terá sido ali edificada uma 'vila' [quinta] e já no século III d.C., um senhor abastado, à custa do rendimento agrícola gerado com vinho, cereais e azeite e também da exploração mineira do ferro, estanho, prata ou chumbo, terá reconvertido a vila chamando técnicos para o revestimento de salas de mosaico, edificar balneários, lagares e ferrarias", explicou o arqueólogo à agência Lusa.

Paixão pelos segredos da história Sá Coixão admite que, numa época áurea, é forte a probabilidade de "esse senhor ter-se valido de operários livres criando um 'Vicus' [aldeia] onde os deuses e festividades passariam a ter algum cunho colectivo", algo que pode revolucionar a história conhecida da aldeia romana, defende. Numa recente visita a este local, o professor catedrático e investigador de Pré-História e Arqueologia Jorge de Alarcão afirmou que "teria que reescrever tudo sobre o Portugal rural romano", conta.

Já o arqueólogo luso-descendente Tony Silvino iniciou esta parceria não oficial com Sá Coixão, que costuma vir fazer as suas "férias arqueológicas" a Portugal. O especialista traz sempre consigo um grupo de especialistas nas diversas áreas, como o vinho, vidro, cerâmica, metais e arquitectura e, juntamente com outra equipa da Universidade do Porto, 'esgravata' por paixão os segredos da história. Tony Silvino afirma que a classe "geralmente pensa já ter descoberto tudo sobre a época romana, mas o interior deste país revela-nos o contrário".

Os primeiros anos de trabalhos centraram-se na zona do Balneário Romano e em 2006 foi descoberto um painel de mosaico policromático, presentemente a ser restaurado em Conímbriga, figurando o Deus Baco junto de uma Menade, antes nunca encontrado em regiões interiores de Portugal.

No último dia de campanha de 2007, fez eco na imprensa nacional e estrangeira uma descoberta 'endinheirada' de um tesouro monetário com cerca de 6.000 moedas, provavelmente envoltas num saco, tendo sido encontrado um resto de tecido que surpreendeu os arqueólogos pela sua sobrevivência.

A campanha deste ano está a terminar, mas deixa aberta uma exposição permanente de achados no Centro Sócio-Cultural da Coriscada. O objectivo é sensibilizar a população, adquirir a confiança e empenho necessários das gentes locais, para que o sonho de musealizar o terreno possa ser realidade um dia.


(IN: PÚBLICO)